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    quarta-feira, 9 de julho de 2008

    ENSAIOS SOBRE A INDEFINIÇÃO

    (Pra comemorar a volta do blog, resolvi escrever um texto sério, longo e cabeção. Adoraria que alguém lesse e comentasse.)


    Eu não sei se alguém já notou, mas existe uma misteriosa tendência dos filmes dos cineastas emergentes pelo mundo. Prestem atenção nessas sinopses:



    Em "Blindness" (Cegueira), o novo filme do brasileiro Fernando Meirelles, a população sofre de uma epidemia de cegueira de origem desconhecida. A sociedade muda completamente ao se deparar com a nova realidade. Uma mulher é imune à doença e luta contra o caos que toma conta da cidade.








    Em "The Happening" (Fim dos Tempos), novo filme do indiano M.Night "Parabailarlabamba", a população de parte dos Estados Unidos começa a se suicidar sem mais nem menos. Os poucos sobreviventes tem que aprender a se ajudar para evitar o pior.








    Em "Children Of Men" (Filhos da Liberdade), filme do mexicano Afonso Cuarón, a população da Terra fica misteriosamente estéril e vai morrendo aos poucos, o que leva a sociedade à total desagregação. Imune ao problema, uma mulher fica grávida e luta contra o povo que a persegue.









    Em "I Am Legend" (Eu Sou a Lenda), do americano Francis Lawrence, Nova Iorque é vista já dizimada por um vírus . Os poucos sobreviventes tem que se reorganizar em novas comunidades.









    Por sua vez, essa é a mesma premissa de "28 Days Later" (Extermínio), do inglês Danny Boyle.










    Em "The Invasion" (A Invasão), do alemão Oliver Hirschbiegel, um vírus esquisito transforma a população em pessoas sem emoção. No noticiário, governantes contaminados começam a assinar tratados de paz entre os países. Uma mulher luta para salvar o filho que se revela imune à doença.








    Já em "It's All About Love" (Dogma do amor), do dinamarquês Thomas Vintenberg, enquanto nos Estados Unidos pessoas sofrem de ataques de coração repentinos, na África as pessoas começam a flutuar, num continente em gravidade zero. Alheios a essa realidade, um casal tenta resolver seus problemas afetivos.






    É sério. As semelhanças entre esses roteiros chegam a assustar. Tão misteriosamente quanto em seus filmes, cineastas de vários países, todos com a carreira em plena ascenção, resolveram filmar alegorias fantásticas com um tema comum: a vingança da natureza contra a humanidade.


    O desdobramento também é sempre o mesmo: todos tentam a imaginar a sociedade se reorganizando a partir de situações absurdas e extremas.

    Percebam que, ao contrário dos velhos filmes de ficção científica, a ameaça não vem mais das bombas atômicas, nem dos atentados, nem mesmo de seres mutantes ou alienígenas. O mundo retratado em todos esses filmes não é um futuro etéreo, estilizado, tipo 2001, mas sempre tem cenários atuais, urbanos, quase que realistas. As catástrofes não vêm de terremotos, vulcões ou meteoros gigantes. O inimigo não é a esquerda nem a direita, não são os terroristas, não são os governos totalitários nem os traficantes de drogas. A ameaça surge do nada e simplesmente cai do céu, ex-machina, vitimizando todos sem piedade.

    Mas então... por que essa moda agora?

    Eu tenho uma teoria.

    Mostrar um futuro absurdo é a melhor maneira de falar da sociedade atual sem se comprometer politicamente. Não se fala de oriente médio nem de petróleo; nem de governo Bush nem de Bin Laden; nem de protocolo de Kyoto nem do Al Gore. Nesses filmes, o foco é transferido para o dilema emocional que vivemos.


    Em tempos de aquecimento global na moda, o que se pensa é: como a sociedade vai se comportar se o planeta começar a ir pro beleléu de fato? O que o mundo vai fazer quando o seu maior inimigo for o seu próprio planeta?


    Pois esses cineastas, assim como os seus roteiristas, sabem que o planeta está para dançar em um futuro não muito distante. E isso acontecerá porque todos as sociedades, capitalistas e comunistas, ditaduras e democracias, fizeram lá a sua parte. Somos de bem, mas somos culpados, o que fazer? E no mundo onde não faz sentido pensar em direita e esquerda, em primeiro e terceiro mundo, espera-se o momento em que as sociedades e seus governos terão que abrir mão de suas picuinhas sobre economia, sobre religião, sobre exércitos para se ajudar de fato, antes que a cobra vá pro brejo de vez. A natureza é um inimigo sem cara, e sem muita ideologia.


    Os cientistas já falam isso tem tempo - se os homens não pensarem seriamente na saúde do planeta agora, a coisa vai ficar feia. Agora é a vez dos cineastas dizerem o mesmo. Resta saber se, com metáforas tão fantásticas, todo mundo vai entender.

    Um comentário:

    Unknown disse...

    Desgraça pouca é bobagem!
    Adorei, e não tinha parado para pensar nesta "coincidência" entre os roteiros!